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17 agosto, 2011

Musical "As Bruxas de Eastwick" alça voo com encanto, sagacidade e tempero brasileiro.

O livro, de John Updike é de 1984. O filme, dirigido pelo australiano George Miller, é de 1987. A primeira montagem londrina do musical é de 2000. A adaptação para o palco é de John Dempsey, com música de Dana P. Rowe. Atualmente a produção britânica está em tour por várias cidades da Inglaterra. A montagem brasileira, que acaba de estrear em São Paulo, no Teatro Bradesco (Shopping Bourbon), além de estar no mesmo nível (ou possivelmente até melhor) que as produções originais, adiciona pimenta brasileira ao texto e às canções, adaptadas pelo sempre sensato Claudio Botelho, que ao lado do meticuloso Charles Moeller, jogam no caldeirão um certo tempero abrasileirado nas atuações e no humor (que já era negro), tudo organicamente inserido na divertida narrativa sardônica de uma cidadezinha do interior americano que entra em polvorosa por causa das aventuras sexuais de três mulheres locais e Darryl Van Horne, um estranho sedutor que chega ao lugar. O despertar erótico das jovens senhoras faz a fofoca correr solta. A plateia dá gargalhadas altas, como na deliciosa canção "Roupa Suja".
 Van Horne é o próprio diabo em forma de gente, um demônio faminto por sexo (curioso o seu segundo nome remeter a "horny": excitado sexualmente). As mulheres aprendem com ele a lidar com feitiços e bruxarias e chegam a levantar voo. No musical, esse momento encerra o primeiro ato e é um dos ápices do espetáculo. O técnico em efeitos visuais Heitor Cavalheiro, faz as bruxas literalmente voarem sobre a plateia, em momento de arrebatador deslumbramento para o público. Cavalheiro também é o responsável pela
flutuação do elenco na cena do sonho em "Um Violinista no Telhado" (dirigido pela mesma dupla), que está em cartaz no Rio. O falatório a respeito dos prazeres da alcova das mulheres é conduzido pela primeira dama Felicia Gabriel, brilhantemente interpretada por Fafy Siqueira, que tem gags impagáveis, sagacidade ímpar e uma voz excelente nas canções. 
Eduardo Galvão, como o diabo, melhorou muito musicalmente. Até sex-appeal ele aprendeu a ter para o papel. Seu melhor momento no teatro até agora. As bruxas são vividas por Sabrina Korgut, Renata Ricci e Maria Clara Gueiros. Korgut vive Jane, uma violoncelista acanhada que liberta-se sexualmente através de seu instrumento musical numa cena de grande voltagem erótica. A atriz já tinha demonstrado que era ultra-talentosa em "Avenida Q". Aqui, é um vulcão em erupção musical em cena. A luminosa Ricci (que atuou em "Sweet Charity" e foi Baby June em "Gypsy" ano passado) também está extraordinária como Sukie, a jornalista platinada que não consegue terminar frases. A cena em que o diabo a seduz, fazendo com que ela desate a falar ininterruptamente, em meio aos versos insinuantes é um dos pontos altos.
Maria Clara é uma comediante de talento comprovado na TV. Sua escultora Alexandra não é lá muito diferente da Bibi que ela interpreta na novela das 9, mas sua presença cômica é de grande valia para a veiculação de um texto onde a comédia politicamente incorreta reina. O humor negro corre solto neste musical, que tem figurinos do sempre competente Marcelo Pies, que ganhou este ano o prêmio Shell de Figurino por "Hair". O figurinista colobarou com Botelho & Moeller em todos os seus últimos musicais.
 O talentoso André Torquato, de 18 anos, que deixou todos boquiabertos como Tulsa e seu sapateado à la Gene Kelly em "Gypsy", interpreta Michael, filho de Alexandra. É da boca dele que ecoa a canção romântica mais bonita, "Dentro", um dueto com a ótima Clara Verdier, versão de Claudio Botelho para "Something" (que por sinal, em português, é mais bonita que a original). Além de cantar, Torquato também demonstra grande desenvoltura corporal na energética e contagiante coreografia de Alonso Barros na vibrante

"Dançar com o Demônio", que põe fogo literalmente no proscênio.
Vale ressaltar que esta montagem brasileira não é uma réplica das européias e americanas. Os cenários de Rogério Falcão são originais e reproduzem em muitos momentos a vila de Eastwick no background, em técnica parecida com a de "Um Violinista no Telhado". Os figurinos de Pies são novíssimos.
O uniforme de Fidel, o mordomo (Ben Ludmer),  lembra o visagismo de "A Família Addams" e o colete do diabo tem chamas flamejantes bordadas. Há canções que não estavam nas outras produções. Van Horne carregava um charuto nas montagens estrangeiras. Aqui, foi espertamente abstraído.
Outro fato curioso é o palco ser circundado com um arco de luzes. Dependendo de onde o espectador senta no teatro, dá a impressão de se ver a cidade de Eastwick através de uma luneta ou telescópio.
Entre os coadjuvantes, há as boas presenças de William Anderson, Patrick Amstalden e Daniel Nunes. 
"As Bruxas de Eastwick" é formidavelmente cômico, tecnicamente encantador, musicalmente divertido, cenograficamente mágico. Claudio Botelho e Charles Moeller acertaram mais uma vez. 











04 agosto, 2011

"Ghost - The Musical" tem cenários high-tech, efeitos ilusionistas e canções memoráveis.


Há exatamente 20 anos "Ghost", o filme, de Jerry Zucker, fez um sucesso retumbante nos cinemas. Concorreu ao Oscar de Melhor Filme e deu a Whoopi Goldberg a estatueta de Atriz Coadjuvante. Há 5 semanas estreou no West End, em Londres, a esperada montagem que transformou o longa em um musical. O texto (que todo mundo conhece) é do mesmo Bruce Joel Rubin, o roteirista oscarizado do filme. Continuam no palco todas as cenas antológicas e  hilariantes do filme, exceto a da moeda que percorre a porta. O efeito minimalista não funcionaria no teatro.  "GHOST - THE MUSICAL" é um espetáculo de imenso apelo popular, ultramoderno em sua concepção cenográfica. A iluminação, em parceria com as projeções, têm papéis fundamentais para criar a atmosfera de magia, espiritualidade e aceleração de uma megalópole transposta para o palco. Quase todos os cenários são vistosamente digitais: o background de Nova York, as janelas e vidraças de escritórios e os vagões movimentados do metrô.
Todos os sets são funcionais e orgânicos com a narrativa.
Quase nada soa desnecessário. É um musical high-tech. As laterais do palco são preenchidas verticalmente com spotlights que ofuscam a platéia (como faróis de carros) nos momentos-chave de ilusionismos. Os efeitos visuais também são dignos de nota. O responsável é o ilusionista PAUL KIEVE, colaborador de "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban". A plateia fica maravilhada ao ver Sam Wheat atravessar portas e transpor objetos. 
As cancões, a maioria pop-rock, uma gospel, outra de pegada street-dance e baladas românticas, são de DAVE STEWART (ex-parceiro de Annie Lennox no duet Eurythmics) e GLEN BALLARD, que tem no currículo arranjos e letras de canções de Michael Jackson a Alanis Morrissette (o album 'Jagged Little Pill', vencedor do Grammy, é dele). Sim, as músicas são reconfortantes e energéticas.  Todos saem do teatro encantados, cantarolando e comprando o CD ou fazendo o download assim que chegam em casa.
 Sam Wheat é interpretado por RICHARD FLEESHMAN, em sua primeira oportunidade como protagonista. Ano passado ele estreou no West End na montagem de "Legally Blonde". Este é seu segundo musical. Um ator que deixa a desejar em momentos dramáticos, mas soube construir com muita verossimilhança um sotaque americano crível (ele é britânico). Tem uma voz potente, virilidade e uma robustez cênica essenciais para a identificação com o personagem. Seus solos em "Hold On" e "I Had a Life" são vigorosos.
 Molly Jensen foi entregue à canadense CAISSIE LEVY, conhecida como Sheila na montagem recente de "Hair", Elphaba em "Wicked", Penny Pingleton em "Hairspray" e Maureen em "Rent". Uma voz limpa e possante, perfeita para interpretar canções com grande apelo emocional como "With You", "Nothing Stops Another Day" e "Rain".
A vidente charlatã é vivida pela extraordinária SHARON D. CLARKE, inglesa nascida e criada em Londres e com um currículo que inclui Mamma Morton em "Chicago", Rafiki em "The Lion King" (sua voz em "The Circle of Life" é inconfundível), Maybelle em "Hairspray" e Joanne em "Rent". Uma atriz de grande segurança dramática, inteligente na composição de uma vigarista. Ela consegue ser tão boa quanto Whoopi Goldberg sem imitá-la. E que voz! 
Whoopi não daria conta de suas canções. Sua interpretação vibrante em "I'm Outta Here" (cujos acordes lembram "It's Raining Men") é arrasadora.
O vilão Carl Bruner é o britânico ANDREW LANGTREE, cujo background inclui Sky no elenco londrino original de "Mamma Mia" e Eddie em "Blood Brothers". 
O veterano MARK WHITE tem um breve e ótimo momento como o morto que recepciona Sam no hospital e canta a divertida "Ball of Wax" (Baile de Cera). White foi Tulsa em "Gypsy" e Mike em "A Chorus Line".
As coreografias são de responsabilidade do australiano ASHLEY WALLEN, colaborador de Baz Luhrmann em algumas danças em "Moulin Rouge" e na versão cinematográfica de "Phantom of the Opera". Wallen também coreografou algumas cenas do novo filme de Madonna, "W.E." e também a divertida campanha da Lipton, onde Hugh Jackman saltita e dança em vários lugares do mundo. As coreografias de "Ghost" são modernas, urbanas, street-dance misturadas a um curioso balé que se expande nas sombras e silhuetas das projeções.
Andrew Lloyd Webber foi ver "Ghost" esta semana e vaticinou o show como "um dos melhores musicais dos últimos 20 anos". Um comentário superestimado, claro, mas que trará reconhecimento ainda maior a este espetáculo que acaba de estrear em Londres com elogios dos grandes jornais e críticas favoráveis, com carreira prevista até janeiro de 2012, mas certamente ficará alguns anos em cartaz, merecidamente.