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07 fevereiro, 2011

O soberbo "Cisne Negro" explode em beleza e terror. Obra-prima de Aronofsky.

Quando acaba a projeção de "CISNE NEGRO" (Black Swan), o que se ouve na platéia são murmúrios e interjeições como "Nossa", "Uau", "Caramba". Na saída da sala não há como não escutar também "filmaço". Sim, o filme de DARREN ARONOFSKY é tudo isso e mais um pouco.

Ao penetrar com imensa paixão e propriedade no universo do balé o diretor cria uma fábula sombria e atemporal, amedrontante e antológica, assim como foram "O Bebê de Rosemary", nos anos 60, "O Exorcista", nos anos 70 e "O Iluminado" (The Shining), de Kubrick,  no início dos 80.  O desespero interior da protagonista e sua exasperante imaginação são tratados com uma competência ímpar e uma mise-en-scène magistral. Imagens, sons, ruídos, cenários, tudo conflui para levar o espectador a sentir na pele o terror das entranhas de Nina, a bailarina em processo de auto-conhecimento, num trabalho dificílimo - com um resultado admirável - de Natalie Portman.
 
A fotografia de Matthew Libatique é repleta de sombras e contrastes da luz com o branco e o negro. Há um interessante jogo de espelhos e reflexos (nos ensaios, no biombo de casa, no metrô). A câmera (na mão) persegue a personagem de uma maneira invasiva e instigante, colada à sua nuca, penetrando no meio da coreografia do balé com piruetas invisíveis. Um trabalho de câmera realmente soberbo. A mixagem de som tem ruídos aterrorizantes do bater das asas de cisnes, de pequenos voos.
 A trilha sonora de Clint Mansel remete ao "Lago dos Cisnes", de Tchaikovsky, obviamente, mas de uma maneira ainda mais lúgubre. Há um momento em que Nina entra no quarto de sua mãe e olha para vários desenhos espantados que se movem na parede. Os desenhos e a própria expessão de terror da personagem remetem imediatamente ao quadro "O Grito", de Edvard Munch. O duelo de vaidades das duas bailarinas e sua extrema competição no show business remete ao conflito de "A Malvada" (All About Eve,1950), no qual Anne Baxter rivaliza com Bette Davis.

"Cisne Negro" é de tirar o fôlego. Um thriller psicológico extremamente bem contado que invade o mundo das bailarinas e seu universo sangrento com esmero, vigor e ousadia. A cena de sexo entre Portman e Mila Kunis é um verdadeiro barril de pólvora faiscante, prestes a explodir de tanto tesão. Aliás, foi uma injustiça a Academia não ter indicado o trabalho da corajosa e impetuosa Kunis como Atriz Coadjuvante, assim como o da mãe, vivido por Barbra Hershey repleta de toxina botulínica e uma loucura no olhar que chegam a dar medo no espectador.

 Darren Aronofsky tem no curriculo trabalhos excelentes. É um diretor que sabe entrar na cabeça dos personagens (quase sempre auto-destrutivos e no limite) e mostrar seus pensamentos em imagens explosivas em beleza, como no turbilhão de sensações sintéticas e narcóticas em "Réquiem Para um Sonho" (Requiem for a Dream, 2000), filme no qual Ellen Burstyn inacreditavelmente perdeu o Oscar de Atriz.
A paranóia do matemático vivido por Sean Gullette em "Pi" (1998) e a dor do homem em frangalhos vivido por Mickey Rourke em "O Lutador" (The Wrestler, 2008) também são exemplos de como o realizador sabe contar histórias internas, intrínsecas. Como sabe penetrar nos estômagos de seus atores e revirar os da platéia. Como ele sabe cuspir em imagens o que os corações dos personagens não conseguem em palavras.
"Cisne Negro" tem a atmosfera angustiante de um filme de horror, mas com uma profundidade e um trabalho de construção de personagens que beiram a perfeição. 

Não há dúvidas de que este trabalho deveria vencer o Oscar de Melhor Filme, Diretor, Atriz e Fotografia. Num ano em que temos como favoritos longas superestimados como "O Discurso do Rei" (The King's Speech) e "A Rede Social" (Social Network), "Cisne Negro" consegue arrebatar, provocar e entusiasmar o espectador como nenhum outro indicado.
"O Discurso do Rei" tem na direção Tom Hooper, um realizador competente, mas sem um currículo de filmes anteriores que sejam relevantes. A Miramax e Harvey Weinstein estão fazendo um trabalho de tentar convencer os votantes da Academia de que este é o melhor filme do ano (feito que ele conseguiu em 1999, quando "Shakespeare Apaixonado" (Shakespeare in Love) roubou o Oscar de "O Resgate do Soldado Ryan" (Saving Private Ryan).
"A Rede Social" é um bom trabalho de David Fincher, que sim, tem filmes incríveis no background, como "Seven", "Zodíaco", "Clube da Luta" e "O Curioso Caso de Benjamin Button".
Aronofsky, além de dirigir "Cisne Negro" (que para mim é sua obra-prima), aparece como produtor executivo de outro indicado ao Oscar, "O Vencedor" (The Fighter), muito mais empolgante do que "Discurso" e "Rede" juntos. Daqui a cinco ou dez anos, a Academia olhará para trás e perceberá o erro que cometeu ao nao premiá-lo como melhor filme. Ou tentará recompensar o erro premiando o diretor por algum trabalho menor, fatos que sempre ocorrem na Academia de Hollywood.

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